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FUTURE-SE: de que se trata, afinal?

Eduardo Borges


O principal ponto da proposta do Programa Institutos e Universidades Empreendedoras e Inovadoras (FUTURE-SE) é a mudança na autonomia financeira das Universidades e Institutos federais. A intenção, segundo o Ministério da Educação (MEC), é aprimorar a experiência e a gestão das instituições promovendo novas alternativas de financiamento com recursos próprios (incluindo aluguéis de patrimônio, fundos de investimento e doações), em parceria com entidades privadas ou empreendedorismo com oferecimento de serviços no mercado. A proposta não implicaria em retirada do financiamento da União. Dessa forma todas as universidades continuariam a receber dotações orçamentárias do MEC.


Segundo o Ministro da Educação Abraham Weintraub o programa não irá interferir na autonomia universitária. A adesão também seria voluntária. Porém, o projeto enfrenta fortes resistências de grande parte das instituições e seus membros. Recentemente entrou em discussão a possibilidade de implementação da nova política pública por meio de Medida Provisória como comunicado pelo ministro a deputados da Comissão de Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados. Assim, esta seria transformada em Projeto de Lei pelo Congresso antes do período de expiração da MP, o que segundo os críticos ao projeto anularia o caráter voluntário da adesão. Parece que a forma de implementação e o diálogo entre todos os players envolvidos será um dos maiores desafios do MEC e das IFES. A consulta pública sobre o tema esteve disponível até o dia 07 de agosto e após seu término foi iniciado o processo de consolidação das contribuições recebidas da sociedade civil.


O programa prevê a contratação de Organizações Sociais (OS) cujas atividades sejam dirigidas ao ensino, pesquisa científica, desenvolvimento tecnológico, cultura e estejam relacionadas às finalidades do FUTURE-SE. Se já forem qualificadas pelo MEC ou outros ministérios dispensa-se chamada pública. Estas auxiliarão na administração das atividades universitárias associadas aos eixos de gestão, governança e empreendedorismo. Também há a possibilidade de o MEC fazer parte como cotista de fundos de investimento e aplicar parte dos recursos do principal nas OS na etapa inicial de formação da poupança do fundo para que estas invistam nas metas do programa e na gestão das universidades e seus projetos acadêmicos, pedagógicos e sociais.


Essa nova organização administrativa teria como objetivo modernizar e simplificar a gestão das instituições federais contribuindo para uma “atualização” das práticas visando melhor aproveitamento de recursos e promoção do impacto e relevância da produção acadêmica e científica. A proposta do MEC parte de um pressuposto de uma suposta inadequação de resultados obtidos em cada instituição e os investimentos realizados pela União, o que passa por uma avaliação quantitativa da produção científica e acadêmica e por juízos de valores morais, pois até mesmo a “relevância” das pesquisas é colocada em questão e isso gera controvérsias.


Há grande temor de que áreas consideradas como de menor valor ou “não estratégicas” sejam subfinanciadas provocando retrocessos nas pesquisas e projetos em curso, além dos impactos sociais. Aqui notadamente têm-se em mente as Ciências humanas e sociais. A leitura do projeto parece indicar que pesquisas que não despertarem interesse comercial deverão ser realizadas com recursos do financiamento básico da universidade pela união, que dependendo do momento orçamentário pode ser insuficiente. Aqui não discutimos “importância” das pesquisas ou a validade delas dentro de seus respectivos campos de estudo, mas apontamos que nem sempre interesses do mercado coincidem com as lógicas científicas em cada campo e isso não significa que estas discussões (pesquisa de base) sejam irrelevantes. Novamente entramos em uma discussão subjetiva sobre valores. Conhecimentos das ciências humanas e sociais (em seus diversos matizes teóricos) também são importantes para a construção de uma sociedade civilizada e democrática e não são entrave ao crescimento econômico. Na medida em que promovem diálogos e estimulam o fortalecimento de uma esfera pública de debates que podem contribuir para a solução de problemas sociais.


Na visão do MEC o programa incentiva a inovação e a parceria com o setor privado, criação de startups e centros de pesquisas nas universidades contribuindo para o desenvolvimento econômico. A grande questão que esta discussão coloca é a da implementação das políticas públicas e os efeitos que estas gerarão na prática da vida cotidiana das instituições. Este é um dilema clássico do campo de estudos das políticas públicas e é justamente o ponto que tem gerado mais conflito entre a gestão do MEC, as IFES e parte da sociedade civil que não apoia o FUTURE-SE.


Os críticos ao programa apontam uma possível intenção do governo no sentido de enfraquecer e diminuir o prestígio do sistema de ensino superior público e favorecer a expansão do ensino superior privado que já conta com aproximadamente 80% das matrículas ativas no país. Grande parte das universidades tem rechaçado a proposta argumentando que esta fere a autonomia universitária e submete ensino, pesquisa e extensão a interesses do lucro do setor privado e que também seria uma forma que o governo teria de interferir no que é produzido e discutido nas universidades federais sob o pretexto da modernização e “combate ao viés ideológico”. A principal crítica seria a perda do poder de decisão sobre a alocação dos recursos e a possibilidade de que esta discrimine áreas de estudo ou demandas que não interessassem eventualmente à gestão em Brasília já que na prática a administração das IES ficaria a cargo das OS e as reitorias ficariam responsáveis pela parte pedagógica e acadêmica do cotidiano (e mesmo nesta parte não há garantia de autonomia), pois como defendido pelo ministro, as reitorias não estariam “dando conta” de administrar todas as questões.


Para concluir, o objetivo deste texto dada sua pequena extensão não foi desenvolver uma análise aprofundada de cada ponto da proposta nem defender posicionamentos específicos sobre a questão, mas indicar os principais pontos da proposta e os maiores pontos de conflito que exigirão atenção dos atores neste momento de elaboração da agenda e implementação desta política pública que com certeza continuará gerando polêmicas mesmo depois de sua eventual entrada em vigor (seja por adesão voluntária de cada IF ou Projeto de Lei). O MEC enxerga o FUTURE-SE como a salvação das universidades federais enquanto seus críticos enxergam a aniquilação. Cabe à pesquisa sociológica séria deixar de lado as paixões e analisar como as coisas de fato são ou serão.


Eduardo H. Narciso Borges

Doutorando em Sociologia – Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Pesquisador do Laboratório de Pesquisa em Ensino Superior (LAPES/PPGSA/UFRJ) e do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Educação Superior (LEPES/FE/UFRJ).


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