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Principais tendências no ensino superior latino-americano: Instituições privadas, diversidade e ensino à distância

Na América Latina, o ensino superior passou por uma intensa transformação. Na década de 1950, havia cerca de 700.000 alunos; em 1970, o número aumentou para 1,9 milhão, chegando a 8,4 milhões em 1990, 25 milhões de alunos em 2011 e 30 milhões em 2019. Os sistemas de ensino superior desses países variam muito. Há países como Argentina, Chile e Uruguai que são universalizados (com uma taxa bruta de matrícula de mais de 60%), enquanto países como Brasil e Peru estão passando pelo processo de massificação. A participação do setor privado é muito desigual. A Argentina e o Uruguai têm uma alta participação do setor público, enquanto o Brasil e o Chile, ao contrário, têm uma predominância de matrículas no setor privado. O Brasil e o Chile optaram por manter um sistema público relativamente pequeno e fechado e abrir espaço para o setor privado. Na Argentina e no Uruguai, a demanda por ensino superior foi atendida pelo setor público.


Embora os sistemas de ensino superior da América Latina estejam organizados, em termos gerais, em tipos institucionais que distinguem as instituições universitárias de outras organizações acadêmicas não universitárias, há diferenças relevantes em dimensões como governança, tamanho, seletividade e oferta educacional. Em comum, o setor universitário tende a ter maior autonomia administrativa e acadêmica do que o setor não universitário, concentrar-se na oferta de cursos de longa duração e com orientação acadêmica e ser mais seletivo em termos acadêmicos e socioeconômicos, como é o caso do Brasil, Peru e Chile. Por outro lado, as instituições não universitárias se concentram em cursos vocacionais ou técnico-profissionais, de curta duração e treinamento de professores, como ocorre na Argentina, Chile e Uruguai, ou se caracterizam por uma oferta focada principalmente no ensino, com pouco envolvimento em pesquisa, como no Brasil.


Graças ao Prêmio de Pesquisa SRHE 2022[1], nosso grupo conseguiu avançar na sistematização de informações e na produção de análises sobre os sistemas de ensino superior nos cinco países latino-americanos mencionados acima. Do ponto de vista conceitual, elaboramos uma tipologia de instituições de ensino superior, bastante debatida com colegas e especialistas.


Uma característica distintiva dessa tipologia é o método pelo qual foi construída: diferentemente do que é comum em estudos desse tipo, não usamos categorias administrativas ou grupos teoricamente identificados. Em nossa análise, os tipos institucionais, ou grupos de instituições, emergem de dados empíricos submetidos a procedimentos estatísticos indicados na literatura.


Seguindo essa abordagem, descobrimos que, além do contraste entre instituições de ensino superior (IES) públicas e privadas, o tamanho das instituições influenciou a dinâmica da expansão. O sistema de ensino superior do Brasil se expandiu reduzindo a diversidade institucional e concentrando as matrículas de alunos. Um exemplo pode ser visto no primeiro grupo de IES que surgiu nesta análise, com uma forte concentração de matrículas (88 instituições privadas matriculando 2.730.061 alunos) e a prevalência da educação on-line. Esse aumento nas matrículas se contrapõe a um declínio notável nas matrículas em instituições tradicionais e de elite.


Nossos resultados sugerem que os outros países latino-americanos mencionados apresentam padrões institucionais semelhantes aos do Brasil. Cada sistema é dividido entre universidades, que tendem a ser mais seletivas tanto do ponto de vista socioeconômico quanto acadêmico, e outras instituições que se concentram em programas de menor prestígio, de curto prazo e não universitários. As universidades têm uma função organizacional importante no ensino superior e mantêm alto grau de autonomia.


Por outro lado, os modelos institucionais escolhidos para a formação de professores desempenham um papel fundamental na definição das diferenças entre os países. O mesmo pode ser dito sobre o papel do setor privado que diferencia o Brasil, o Chile e o Peru da Argentina e do Uruguai. Entretanto, essa distinção não é absoluta, pois as diferenças entre os países mais privatizados podem ser atribuídas à força ou à fraqueza das instituições reguladoras. Uma diferença marcante entre esses países é a extensão e o papel da educação a distância. O sistema do Brasil, dominado por instituições privadas e fortemente dependente de cursos on-line, apresenta desafios para a pesquisa sobre a diversidade institucional e a modalidade de oferta de ensino superior.


A análise do caso brasileiro gerou debates e permitiu destacar algumas questões fundamentais para a comparação entre os países que participam do nosso projeto: o papel da universidade no ensino superior como um todo; o momento e a velocidade da expansão do ensino superior; a existência de UM ou vários sistemas em cada país; os diferentes caminhos de formação, carreiras e tipos de diplomas; a modalidade de oferta do ensino superior; o financiamento público ou privado do ensino superior; a existência de instituições para a coleta e a divulgação de dados.


A fim de organizar essa variedade de elementos de forma coerente com o tipo de análise escolhido, nos concentramos na dimensão de Governança do sistema de ensino superior. Assim como o conceito de tipos institucionais expressa a realidade diversa das instituições em formas típicas idealizadas - racionais em seu funcionamento e unilaterais na definição da característica dominante -, o conceito de governança nos permite entender a lógica do funcionamento institucional dentro do sistema de ensino superior e na sociedade nacional. Os modelos de governança definem os contornos dos sistemas de ensino superior, indicam o papel da universidade, os tipos de carreiras e diplomas, as maneiras pelas quais os dados relevantes são coletados e divulgados.


Como há vários estudos sobre os elementos constituintes da governança dos sistemas de ensino superior nos países estudados, decidimos classificar esse material estabelecendo linhas históricas de sua evolução. Começando com a criação das primeiras instituições, estudamos a constituição de legislação específica, o processo de expansão, a definição de propósitos, a evolução do financiamento, a estrutura, as formas de supervisão e avaliação.


O refinamento de nossa ferramenta conceitual (a tipologia das instituições de ensino superior) destacou essas questões, direcionando nosso foco para a dimensão da Governança. Nesse meio tempo, um problema metodológico surgiu com grande força: as diferentes nomenclaturas para indicar os processos, fatos, agentes e resultados do funcionamento das IES em cada país ou grupo de países. O exemplo mais simples é o termo “licenciatura” que na Argentina se refere aos graduados do sistema universitário nas carreiras acadêmicas ou profissionais mais tradicionais, enquanto no Brasil indica apenas a formação de professores em nível universitário.


Para que seja possível fazer qualquer tipo de comparação entre as estruturas de ensino superior de diferentes países, é necessário analisá-las cuidadosamente, com base em uma compreensão profunda da realidade de cada país. Cada objeto de interesse ou cada dimensão da tipologia institucional se desdobra em uma questão de pesquisa a ser analisada em detalhes.


Nosso estudo forneceu ferramentas importantes para a análise de questões fundamentais, relevantes para informar as políticas públicas e as ações de líderes institucionais públicos ou privados. Oferecemos respostas social e historicamente fundamentadas a perguntas sobre o que é o ensino superior e para que e para quem ele serve em diferentes países.


E isso é apenas o começo: nosso projeto inclui etapas para analisar a eficiência e a equidade das diferentes formas de organização do ensino superior. Ele prevê a compreensão do impacto do ensino superior nas carreiras dos graduados, em seus destinos profissionais. Ao mesmo tempo, busca explicar até que ponto os impactos do ensino superior são independentes da origem social, do gênero ou da raça dos alunos.


[1] Barbosa, M.L., Vieira, A., Rodrigues, L., Pires, A. (2024). Na América Latina, o ensino superior passou por uma intensa transformação. Na década de 1950, havia cerca de 700.000 alunos; em 1970, o número aumentou para 1,9 milhão, chegando a 8,4 milhões em 1990, 25 milhões de alunos em 2011 e 30 milhões em 2019.


 


 
 
 

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