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Educação Superior e Legitimidade Social

A figura patética que ocupa a Casa Branca tem colocado em evidência o quanto o despreparo das elites dirigentes pode ser nefasto para uma sociedade, podendo mesmo arrastar o mundo todo numa espiral desarranjos, falta de coesão, e, mesmo, guerra. Ao mesmo tempo, e talvez mais preocupante, vai se espalhando e ganhando força uma visão da sociedade que despreza a escola em todos os níveis. São pessoas que preferem a educação feita em casa, admiram a fala truncada daqueles que não leem, enterram filhos mortos por falta de vacina, negam o valor da cultura ocidental e odeiam a universidade que encarna, inclusive no oriente, a ciência.


estudantes do ensino médio em visita ao IFCS-UFRJ
Alunos do ensino médio em visita ao IFCS-UFRJ

No Brasil, independente das disputas ideológicas, o quadro da educação é deplorável. De forma sintética, como foi indicado por Ricardo Henriques num seminário recente, nós conseguimos trazer as crianças para a escola, mas elas não conseguiram aprender. Ou não conseguimos ensinar. Mesmo nos níveis sociais mais altos, o desempenho escolar dos brasileiros é muito aquém do esperado para nosso tamanho econômico.


Na educação superior, tivemos uma forte expansão da matrícula e uma profunda diversificação do público, dos cursos, dos tipos de formação e diploma. Ainda assim, continuamos com sérios problemas de evasão e baixas taxas de conclusão. E, do ponto de vista das políticas públicas e da regulação legal, não temos clareza sobre uma questão aparentemente simples: para que serve a educação superior?


Essa questão vem pipocando em debates mundo afora e mesmo no Brasil. Seja na Conferência Internacional para inaugurar o Lab Digital do CBAE/UFRJ[1], sobre a transformação digital da educação superior, seja no debate sobre os Desafios da Universidade do Futuro[2], busca-se entender qual é o lugar do ensino superior na sociedade contemporânea.


São debates muito importantes e que atraem atenção dos principais atores/stakeholders. E esses debates expressam a compreensão dos pesquisadores, dos gestores, dos propositores de políticas públicas, mostrando também diferenças de perspectiva. Fica evidente que a Educação Superior é mais que a Universidade e, por isso mesmo, é importante retomar a pergunta mencionada acima. Se não havia dúvidas sobre a função da Universidade, especialmente aquela de modelo Humboldtiano, o debate sobre os sentidos da Educação Superior nos seus diversos modelos institucionais é essencial.


Podemos começar essa conversa de uma forma simples, como fizemos no evento “Universidade Hoje: Desafios e Perspectivas[3]”. Tivemos, nesse dia, a oportunidade de conversar com alunos do ensino médio de escolas públicas do Rio de Janeiro. Vindos de bairros distantes fisicamente do centro da cidade e socialmente longe da universidade, esses jovens e adultos se encantaram com o ambiente, o prédio, a biblioteca do IFCS. E, pelo menos é o que parece, perceberam que a universidade pode estar ao alcance deles. Ou seja: a educação superior passou a fazer sentido para esses jovens.


Obviamente, isto é apenas um evento, para um grupo restrito de jovens e adultos. Foi realizado como parte de uma série de pesquisas, por exigência de um dos financiadores, a Faperj. Dito dessa forma, parece coisa pontual e sem grande relevância prática. Entretanto, justamente por ser parte de um conjunto de pesquisas que focaliza o funcionamento das instituições do sistema de educação superior, a visita pode ganhar sentidos mais amplos, ligados à democratização do ensino superior no Brasil.


Diversos estudos indicam que existem barreiras simbólicas e burocráticas que dificultam a entrada de estudantes de primeira geração na educação superior. Uma dessas barreiras simbólicas é bem palpável: os prédios da universidade não têm qualquer identificação visível da instituição, especialmente as públicas (as instituições privadas fazem questão de mostrar seus logos, de deixar visíveis seus prédios). Nenhum dos 90 estudantes presentes sabia que aquele prédio, bem no coração do Rio de Janeiro, fazia parte da UFRJ. Como eles poderiam imaginar que aquele prédio poderia ser usado e apropriado por eles como estudantes? Foi necessário alugar dois ônibus, que trouxeram para o IFCS os alunos daquelas 3 escolas do ensino médio fluminense.


O fascínio pelo prédio – que apesar dos problemas de conservação tem todo o charme das instituições universitárias mais tradicionais – se estende com a descoberta das salas de aula em forma de auditório, do pátio cuidado com mesas e vasos, com a biblioteca: há livros de verdade aqui!!!!! E, ao menos simbolicamente, uma das barreiras de mistério caiu.


A barreira da falta de informação talvez seja mais sólida e persistente. “Professora, eu sou mais velha. Ainda posso tentar entrar por cota? Afinal eu sou preta!” diz a aluna da EJA. A conversa começou com a exposição da trajetória de vida de dois cotistas que já são profissionais – um professor da UERJ, uma graduanda da UFRJ. As perguntas vieram rápido: como fazer? Quem pode fazer? O que o ENEM significa nesse processo? Quais cursos posso tentar? O que a UFRJ pode me oferecer para eu conseguir fazer o curso? Se os ricos já se preparam desde crianças, como é possível eu conseguir a esta altura da vida?


Responder todas estas questões é mais longo do que se pode dizer aqui. Mas fica evidente, com muita força, que para tornar efetiva e cada vez mais includente a política pública de diversificação e inclusão, a Universidade precisa se mostrar mais. Se abrir a públicos que a Universidade sempre ignorou. Se abrir mostrando objetivamente como ela funciona, trazendo de forma sistemática, organizada e sustentada os estudantes do ensino médio da periferia para o interior da instituição. E, se possível, colocar outdoors e outras formas de sinalização de sua presença no meio urbano.


[1] Conferência Empoderar o Conhecimento – Laboratório de Projetos de Educação e Políticas Públicas em Transformação Digital – Lab‑Digital (https://cbae.ufrj.br/2025/04/15/lab%e2%80%91digital-cbae-inaugura-conferencia-empoderar-o-conhecimento-na-ufrj/)



Universidade passa a ser uma possibilidade para alunos do ensino médio do Rio de Janeiro


 

 
 
 

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