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Nota sobre o Censo da Educação Superior 2019 - a expansão da EaD.

Por Larissa Ramalho, Mariana Gondim e Rafael Santiago


No final de outubro de 2020 foram divulgados os dados do Censo da Educação Superior de 2019. São informações importantes para conhecer a organização da educação terciária no país. Acompanhe as notas elaboradas por pesquisadores do Grupo de Pesquisa sobre Desigualdades Estruturantes (Desestrutura/UFF) e do Laboratório de Pesquisa em Ensino Superior (LAPES/UFRJ) com resultados selecionados do Censo e as principais questões que se colocam para pensar a ampliação e democratização da educação superior.


1. O domínio numérico do ensino a distância


A tendência de crescimento da educação a distância (EaD), observada desde o início do século XXI, ganhou novos contornos nos últimos anos. Hoje, o número de vagas ofertadas é maior do que no ensino presencial e o número de ingressantes em instituições do setor privado também é maior do que os ingressantes do presencial. São estudantes matriculados em instituições do setor privado, sobretudo naquelas do setor lucrativo. Com todos esses ineditismos, somado a consolidação da tendência observada desde o início do século, duas questões se fazem presentes: O que possibilitou essa mudança? Essa tendência veio para ficar e mudar o perfil do sistema de ensino superior brasileiro?


Desde meados da década de 1990 a modalidade a distância tem sido modificada por uma série de atos normativos que flexibilizaram a oferta e possibilitaram a expansão da modalidade no país, conforme indicado no gráfico 01. A consolidação da EaD como alternativa ao ensino presencial se deu principalmente a partir do Decreto n° 5.622 (Brasil, 2005), que permitiu a constituição de uma política pública de EaD ao fixar diretrizes para os sistemas de ensino. Mais de dez anos depois, o Decreto n° 9.057 (Brasil, 2017) permitiu que instituições de ensino superior pudessem oferecer, exclusivamente, cursos a distância, causando um boom na quantidade de vagas oferecidas. Um ano após sua promulgação, houve um crescimento de 51% nos cursos oferecidos em relação a 2017 (INEP, 2018). Entre 2009 e 2019, as matrículas nos cursos de graduação a distância aumentaram 192%, enquanto na modalidade presencial o crescimento foi de apenas 20% nesse mesmo período. Entre o número de ingressos houve um aumento ainda maior, de 379% nos cursos a distância e 18% nos cursos de graduação presencial. Além disso, os dados mostram que o número de matrículas em cursos de graduação presencial diminuiu 4% entre 2018 e 2019, enquanto na modalidade a distância houve um aumento de 19%. Apesar da participação da educação a distância ser considerável no quesito vagas, matrículas e ingressos, o percentual de concluintes foi de apenas 25% em 2019, demonstrando maior dificuldade de conclusão pelos estudantes de EaD quando comparados aos estudantes presenciais.


Em 2018 foi registrado, pela primeira vez na série histórica, um número de vagas oferecidas em cursos EaD que supera as vagas oferecidas no presencial: foram 7,1 milhões de vagas na modalidade a distância e 6,3 milhões em cursos presenciais (INEP, 2019). Em 2019, a quantidade de vagas ofertadas já era cerca de 10 milhões, o que representa 66% de todas as vagas ofertadas. É também a primeira vez na série histórica que o número de ingressantes em cursos EaD na rede privada supera o número de ingressos em cursos presenciais também da rede privada.


Mais recentemente, em dezembro de 2019, foi promulgada a Portaria n° 2.117 (Brasil, 2019) que permitiu aos cursos superiores na modalidade presencial ampliarem sua carga horária na EaD em até 40%. Isso ocasionou uma resposta rápida, com o aumento do valor, em bolsa, das ações dos grandes grupos de educação privada do país (Rivieira, 2019). Apesar de ainda não haver dados do Censo que analisem o cenário da educação superior após a promulgação da referida portaria, espera-se que haja uma expansão ainda maior do ensino a distância na análise após esse período.


Gráfico 01: Matrículas no ensino superior por modalidade de ensino e categoria administrativa



Quem reúne a maior quantidade de matrículas na modalidade é o setor lucrativo, responsável por 81% das matrículas totais da EaD (INEP, 2020). Quando comparamos com a quantidade de local de oferta, entretanto, as IES privadas sem fins lucrativos ultrapassam as com fins lucrativos. Os principais cursos oferecidos pelo setor privado, encarregados pelo maior contingente de matrículas, são aqueles de menor custo às instituições. Em 2018, esses eram pedagogia (37% das matrículas em EaD), administração (18%) e contabilidade (11%) (INEP, 2019).


O ano de 2018 marcou a superação das matrículas em cursos de formação de professores a distância quando comparados à modalidade presencial. Em 2019, essa tendência foi reforçada: presencialmente, as matrículas nas licenciaturas correspondem a 47% do total, enquanto na modalidade a distância essa taxa é de 53% (INEP, 2019). E o setor privado também domina esse grau acadêmico, com 64% das matrículas. A formação de professores, então, enfrenta nova configuração, demandando maiores análises.


A predominância do setor lucrativo na oferta da modalidade a distância pode ser verificada a partir do conjunto de alunos efetivamente matriculados. Quando nos debruçamos sobre os dados disponibilizados pelo censo é possível identificar que dentre as quinze mantenedoras[1] com maior número de matrículas no EaD, todas pertencem ao setor privado, sendo apenas duas sem fins lucrativos. Isso reforça o apontamento do setor lucrativo como o principal ofertante, ainda sendo possível indicar quais grupos educacionais se fazem presentes. Dentre os grupos educacionais[2] com maior número de matrículas destacamos o grupo Cogna, antes conhecido como Kroton, o grupo Objetivo, ligado à Universidade Paulista (UNIP) e o grupo YDUQS, reconhecido principalmente pela rede Estácio, como grupos com atuação significativa tanto na modalidade a distância quanto no ensino presencial; e os grupos Uniasselvi, atualmente ligado ao nome Vitru Educação, Uninter e Cesumar como atuantes expressivos do segmento a distância. A relação entre os grupos educacionais, o número de matrículas e as mantenedoras em destaque em cada tipo de modalidade pode ser mais claramente visualizada no gráfico a seguir.


Gráfico 02: Número de matrículas por Grandes Grupos Educacionais – Brasil, 2019.


O aumento da participação do setor lucrativo no mercado educacional tem sido reforçado nos últimos anos por um movimento de concentração em torno de poucos grupos educacionais, através de um movimento de aquisições de marcas menores e de diferentes regiões. A presença notável do setor com fins lucrativos no crescimento da oferta de ensino a distância se explica, da mesma forma, nas práticas gerenciais e padronizadas e na ampliação do ganho de escala, pela redução de custos com a precarização e redução do quadro docente e do tíquete médio das mensalidades. A estratégia se mostrou especialmente importante frente ao cenário de crise e recessão econômica que se intensificou a partir de 2014, tendo repercussões em programas importantes para o setor como o FIES. É a partir deste momento, como lembramos, que pode-se notar uma série de aprovações legislativas favoráveis ao crescimento da modalidade a distância, o que beneficiou o setor privado enquanto uma alternativa e possibilidade de ampliação dos lucros. É importante observar que esses grupos, em sua maioria, também aparecem em destaque quando examinamos o número de matrículas totais. Isso corrobora as análises sobre o papel central do setor privado no processo de expansão do ensino superior no país, além de colocar a necessidade de reflexões mais aprofundadas sobre a organização deste setor em torno de grandes grupos educacionais.


[1] Mantenedora é a pessoa jurídica que provê os recursos necessários ao funcionamento da instituição de ensino e a representa legalmente. Pode reunir mais de uma instituição. [2] Os grupos educacionais agrupam uma ou mais mantenedoras.


Larissa Ramalho, Mariana Gondim e Rafael Santiago são estudantes de licenciatura em ciências sociais, pela UFF e pesquisadores do Desestrutura.


O artigo teve revisão e colaboração de Adriane Gouvea (PPGSA/UFRJ), Carolina Zuccarelli (PPGS/UFF) e Raquel Lima (GSO/UFF)


Projeto baseado na live: Resultados do Censo da Educação Superior 2019

Referências Bibliográficas

INEP - Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. Microdados do Censo da Educação Superior 2018. Brasília, 2019.

INEP - Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. Microdados do Censo da Educação Superior 2019. Brasília, 2020.

RIVIEIRA, C. Menos professores, mais margem: a portaria que muda as faculdades privadas. Revista Exame. 12 dez 2019. Disponível em: https://exame.com/negocios/menos-professores-mais-margem-a-portaria-que-muda-as-faculdades-privadas/.



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