Gabriela Honorato
Antonio José Barbosa de Oliveira
No último dia 8 de dezembro foi publicado o novo volume do Cadernos do LEPES, “Desafios para o ensino superior no contexto contemporâneo”. O LEPES – Laboratório de Estudos e Pesquisas em Educação Superior, criado em 2017 na Faculdade de Educação da UFRJ, reúne professores, técnicos, e estudantes de graduação e pós-graduação interessados em investigar (a partir de diferentes objetos) a clássica relação da educação superior com a produção e efeitos de desigualdades sociais. No referido volume foram reunidos trabalhos e conferências apresentadas nos Seminários do LEPES realizados em 2018 e 2019, onde uma série de questões, de fato desafiantes, merecem atenção por parte daqueles que pesquisam sobre o processo de democratização do ensino superior no Brasil. São questões que também devem ser levadas em consideração por parte de policy makers.
O Professor Claudio Nogueira, da UFMG, em “Lei de Cotas, Sisu e escolha dos cursos no ensino superior”, mostra – ao contrário das ilusões de liberdade – como a escolha pelo curso é, como uma tendência geral, determinada por condições sociais prévias. A proclamada “vocação natural” para seguir uma determinada carreira é descontruída quando é possível verificar a constância da “estratificação horizontal” no sistema. Para uma discussão, portanto, “menos ingênua” sobre democratização, dever-se-ia levar em consideração o lugar que os estudantes, de fato, vêm a ocupar. Nogueira ainda faz uma relação deste problema com o acesso proporcionado pelo Sisu e pela Lei de Cotas, apresentando dados de cursos da UFMG. Esclarece que estudantes têm condições diferentes para se beneficiar dessas políticas, levando a um problema que deve ser tratado com cuidado: a ocupação instável das vagas.
A Professora Gabriela Honorato, da UFRJ, em “Problemas crônicos do ensino superior no Brasil e desafios para os próximos anos”, também chama atenção para o problema da “estratificação horizontal”, e de como, no caso dos estudantes da área de Educação, os que possuem menores condições econômicas e sociais acabam por concluir seus cursos também em condições menos privilegiadas. O acompanhamento dos egressos é outra questão que tem se configurado como um problema no país. As instituições e unidades de ensino têm autonomia para elaborar e implementar a sua própria política, mas parece que faltam recursos, sobretudo humanos, que tenham expertise nesse tipo de pesquisa. Finalmente, mostra aprendizados para o Brasil a respeito de como outros países têm conseguido com maior ou menor sucesso, financiar o ensino superior, com destaque para a formação dos estudantes mais pobres.
Greyssy K. A. de Souza nos contempla com os resultados de sua pesquisa de doutorado no artigo “As expectativas de futuro e as redes de sociabilidade”. Duas escolas estaduais, uma no Rio de Janeiro e outra na Bahia, serviram como campo para se investigar as expectativas de estudantes de ensino médio sobre a entrada no ensino superior. As duas escolas estão localizadas em regiões pobres de suas cidades, atendendo a um perfil de alunos das classes populares. A autora nos mostra, com maior destaque, a importância da informação que dispõem, ou melhor, que não dispõem sobre o mundo universitário e do trabalho. Com informação reduzida são reduzidas também suas possibilidades de pensar sobre um futuro que passa por um projeto de escolarização mais longo. Diante deste fato, as escolas podem e devem exercer um papel mais pró-ativo, levando informação sobre acesso e permanência aos alunos.
Melina Klitzke partilha conosco material que vem sendo estudado e organizado para sua tese de doutorado, no artigo “Desigualdades de resultados na educação superior: primeiras análises da evasão do curso na UFRJ”. O fenômeno da evasão do curso, argumenta, está relacionado a uma série de fatores, notadamente, com as “diferenciações qualitativas” observadas no sistema. Na UFRJ, uma das maiores universidades federais do país, analisa ingressantes do ano letivo de 2014 e se pergunta se há um padrão na evasão deles nos dois primeiros anos do curo segundo o status socioeconômico de suas famílias, cor/raça e sexo. A análise indica que não há uma tendência específica e que as variáveis de origem social não estão associadas à evasão nos primeiros anos dos cursos. Utilizando modelos estatísticos multivariados, aponta para a continuidade da pesquisa de forma mais robusta.
Clarissa Tagliari, em “Dinâmicas de expansão do ensino superior público, privado lucrativo e privado sem fins lucrativos entre 2010 e 2016”, argumenta que é importante analisar a expansão do sistema no Brasil levando em consideração aspectos de sua “diferenciação”; no caso, o crescimento de matrículas segundo os “subsistemas” público, privado sem fins lucrativos e privado com fins lucrativos. Este último, cresceu cinco vezes mais que o público e 28 vezes mais que o sem fins lucrativos no período 2010-2016. Também foi analisado o crescimento segundo a modalidade de ensino e o grau acadêmico. As conclusões mostram que não há uma única rota de expansão quando se atenta para como os estudantes estão alocados em diversas combinações entre rede, grau e modalidade. A autora pretende incorporar à sua análise as áreas de conhecimento, verificando se os contrastes entre subsistemas serão ainda mais nítidos.
Eduardo H. N. Borges, em “A construção de políticas públicas de acompanhamento acadêmico e apoio pedagógico na educação superior: uma análise da agência institucional”, discute ação dos agentes institucionais no processo de implementação de políticas de acompanhamento acadêmico e apoio pedagógico, de maneira que estas contribuam para a redução de índices de evasão discente. O autor faz uma revisão da literatura (escassa) sobre o tema e aponta para a necessidade de aprimoramento dos referenciais teórico-metodológicos que permitam analisar o processo de implementação de políticas nas instituições de ensino superior. Estas têm, de acordo com a legislação nacional, autonomia na elaboração de políticas a respeito de uma variedade de questões. Assim, a ação dos agentes seriam elementos centrais na definição de estratégias para sua implementação.
Finalmente, o texto de Rosana Heringer e Bruna Crespo, “A Monitoria de Apoio Pedagógico como estratégia de permanência estudantil na UFRJ: a experiência da Faculdade de Educação”, mostra, na prática, como uma política empreendida pela Faculdade de Educação da UFRJ tem contribuído para o acolhimento e permanência de estudantes ingressantes, tendo como pano de fundo a nova política de assistência estudantil desta Universidade. As autoras colocam que iniciativas como a da Monitoria de Apoio Pedagógico podem contribuir para a diminuição da evasão dos ingressantes no contexto da Faculdade de Educação por ter sido elaborado atendendo a características “locais” e por ter sido pensado por pessoas que vivem o cotidiano desta unidade de ensino, conhecendo os alunos e seus problemas. O desafio futuro seria o de envolver a UFRJ, de forma mais ampla, ampliando as experiências.
Enfim, a nosso ver, fica claro que as ações das instituições de ensino superior com o objetivo de minimizar a evasão, elevar a permanência e orientar estudantes na inserção profissional são problemas urgentes, carecendo de maior investimento de pesquisa. Durante muito tempo o campo de estudos sobre desigualdades de oportunidades neste nível de ensino se dedicou às estratégias discentes; agora, é necessário que as práticas institucionais ganhem maior visibilidade. Também o problema da “estratificação horizontal”, que perpassa vários dos trabalhos reunidos, chama a atenção. Se quisermos, a curto prazo, continuar compreendendo o processo de democratização da educação superior no Brasil, devemos atentar para chamadas “diferenças qualitativas” – seja na informação de possíveis candidatos, na escolha do curso de graduação, e nas formas como podem se beneficiar de políticas de acesso, permanência e financiamento. A estrutura de oportunidades de formação realmente dada, atualmente, deve ser estudada em distinções sociais cada vez mais sutis.
O e-book pode ser acessado no link: http://www.educacao.ufrj.br/wp-content/uploads/2019/12/Caderno-Lepes-Volume-3-editoracao-final.pdf
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